Todos os dias podem ser especiais
de alguma forma, mas em algumas ocasiões percebemos isso de forma intensa, então
tudo se torna mais significativo. Por vezes a consciência é algo muito
gratificante.
Hoje fui fazer o registro de um
evento no meu trabalho, mais um entre tantos, serviço corriqueiro, ao menos era
o que eu imaginava. Tratava-se de professores que formam um grupo de trabalho e
pesquisa sobre direitos humanos, mas hoje o tema era gênero. As pessoas que me conhecem
pouco ao iniciarem qualquer conversa logo notam o meu interesse pelo tema, e as
que já me conhecem já se acostumaram com as minhas falas. Assim fica fácil dizer
que eu me senti em “casa”.
O curso teve uma dinâmica bacana,
pontuar de forma simples aquilo que eu falo todos os dias, “os homens tem
muitos privilégios diante das mulheres”. Estava tudo bem, e eu falando mais que
tudo e trazendo alguns assuntos a tona. Até que algo me calou.
Uma moça presente, que tem por
volta da minha idade com uma fala muito segura abriu para o grupo que havia
sofrido um estupro. A minha língua gelou. Claro que o assunto da moça do Rio de
Janeiro, e o caso do estupro coletivo veio a tona, mas eu ainda estava atenta a
ela. Existia alguém do meu lado que havia sofrido o maior temor de qualquer
mulher neste planeta. Eu estava diante da estatística, o real estava ao meu lado.
Ela viu como eu fiquei “paralisada”,
mas eu queria saber mais, precisava saber mais, e logo o meu sentido
investigativo me impulsionou. Mencionei sobre a culpa que a mulher carrega nos
ombros, seja lá qual for a situação, então ela iniciou o assunto para o nosso
pequeno grupo.
Os detalhes do acontecido são
mais que assustadores, mas pior que isso é ter certeza de que se trata da
rotina de qualquer uma de nós. Ela nos contou que ia para a igreja, e no meio
do caminho foi abordada, também nos falou sobre o julgamento feroz que a “sociedade”
fez sobre ela durante muito tempo após o
acontecido. Ela tinha vergonha de ter sido atacada, e é claro que diante da
nossa cultura todas nós teríamos. Mas o pior esta longe de ser isto, algo ainda
mais severo estava por ser dito, ao chegar na delegacia para informar o crime,
umas das humilhações sofridas pelo delegado foi:
- Se a “putinha” esta insistindo, vamos ter que ir até o local investigar...
- Se a “putinha” esta insistindo, vamos ter que ir até o local investigar...
Esta foi apenas mais uma, das varias violências
que esta mulher sofreu neste mesmo dia.
Senti como se o meu coração fosse
rasgado, os meus olhos encheram de lágrimas, e ela me olhou no mesmo
momento, eu não queria que ela me visse chorando, mas eu não conseguia segurar,
eu tentei impedir de continuar a sentir aquilo, mas quanto mais eu tentava,
mais as lagrimas ficavam fortes. Daí ela me encarou, e disse que superou o
ocorrido, e que perdoou o seu agressor, e que inclusive esteve com ele pessoalmente depois de se sentir forte para aquilo. E eu realmente acredito nela.
Eu gostaria muito que os homens
nos ouvissem em momentos assim, gostaria que por poucos instantes pudessem
ouvir o nosso coração, e entender que não queremos privilégios, queremos o
justo. Queremos sair às ruas sem medo, e poder ter capacidade de viver a vida
como escolhermos, seja lá como for, assim como eles fazem. Gostaria que muitos
não fossem dominadores, como a sociedade os criou, e que entendessem que temos
voz, e a cada dia ela soará mais alta, eles querendo ou não. São tantos pedidos
a serem feitos, que muitas laudas não seriam suficientes.
Eu agradeci por ter participado
daquela turma de hoje, o trabalho enobrece quando assim nos permitimos, senti
que a minha alma foi tocada pela humildade e força daquela mulher, que talvez não
saiba, mas ensinou a muitos hoje, pois se se expôs sem medo dos julgamentos que
já lhe assombraram um dia, além de nos presentar por sua capacidade de perdoar
e superar algo tão profundo.
Para Hoje: Que o nosso grito de
socorro não seja mais ignorado.
Podemos assim sonhar com a felicidade consciente.
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