quarta-feira, 1 de junho de 2016

Diário do artista - Quando o trabalho nos enobrece

Todos os dias podem ser especiais de alguma forma, mas em algumas ocasiões percebemos isso de forma intensa, então tudo se torna mais significativo. Por vezes a consciência é algo muito gratificante.

Hoje fui fazer o registro de um evento no meu trabalho, mais um entre tantos, serviço corriqueiro, ao menos era o que eu imaginava. Tratava-se de professores que formam um grupo de trabalho e pesquisa sobre direitos humanos, mas hoje o tema era gênero. As pessoas que me conhecem pouco ao iniciarem qualquer conversa logo notam o meu interesse pelo tema, e as que já me conhecem já se acostumaram com as minhas falas. Assim fica fácil dizer que eu me senti em “casa”.

O curso teve uma dinâmica bacana, pontuar de forma simples aquilo que eu falo todos os dias, “os homens tem muitos privilégios diante das mulheres”. Estava tudo bem, e eu falando mais que tudo e trazendo alguns assuntos a tona. Até que algo me calou.

Uma moça presente, que tem por volta da minha idade com uma fala muito segura abriu para o grupo que havia sofrido um estupro. A minha língua gelou. Claro que o assunto da moça do Rio de Janeiro, e o caso do estupro coletivo veio a tona, mas eu ainda estava atenta a ela. Existia alguém do meu lado que havia sofrido o maior temor de qualquer mulher neste planeta. Eu estava diante da estatística, o real estava ao meu lado.

Ela viu como eu fiquei “paralisada”, mas eu queria saber mais, precisava saber mais, e logo o meu sentido investigativo me impulsionou. Mencionei sobre a culpa que a mulher carrega nos ombros, seja lá qual for a situação, então ela iniciou o assunto para o nosso pequeno grupo.

Os detalhes do acontecido são mais que assustadores, mas pior que isso é ter certeza de que se trata da rotina de qualquer uma de nós. Ela nos contou que ia para a igreja, e no meio do caminho foi abordada, também nos falou sobre o julgamento feroz que a “sociedade” fez sobre ela  durante muito tempo após o acontecido. Ela tinha vergonha de ter sido atacada, e é claro que diante da nossa cultura todas nós teríamos. Mas o pior esta longe de ser isto, algo ainda mais severo estava por ser dito, ao chegar na delegacia para informar o crime, umas das humilhações sofridas pelo delegado foi:
- Se a “putinha” esta insistindo, vamos ter que ir até o local investigar... 
Esta foi apenas mais uma, das varias violências que esta mulher sofreu neste mesmo dia.

Senti como se o meu coração fosse rasgado, os meus olhos encheram de lágrimas, e ela me olhou no mesmo momento, eu não queria que ela me visse chorando, mas eu não conseguia segurar, eu tentei impedir de continuar a sentir aquilo, mas quanto mais eu tentava, mais as lagrimas ficavam fortes. Daí ela me encarou, e disse que superou o ocorrido, e que perdoou o seu agressor, e que inclusive esteve com ele pessoalmente depois de se sentir forte para aquilo. E eu realmente acredito nela.

Eu gostaria muito que os homens nos ouvissem em momentos assim, gostaria que por poucos instantes pudessem ouvir o nosso coração, e entender que não queremos privilégios, queremos o justo. Queremos sair às ruas sem medo, e poder ter capacidade de viver a vida como escolhermos, seja lá como for, assim como eles fazem. Gostaria que muitos não fossem dominadores, como a sociedade os criou, e que entendessem que temos voz, e a cada dia ela soará mais alta, eles querendo ou não. São tantos pedidos a serem feitos, que muitas laudas não seriam suficientes.

Eu agradeci por ter participado daquela turma de hoje, o trabalho enobrece quando assim nos permitimos, senti que a minha alma foi tocada pela humildade e força daquela mulher, que talvez não saiba, mas ensinou a muitos hoje, pois se se expôs sem medo dos julgamentos que já lhe assombraram um dia, além de nos presentar por sua capacidade de perdoar e superar algo tão profundo.

Para Hoje: Que o nosso grito de socorro não seja mais ignorado. 
                   Podemos assim sonhar com a felicidade consciente.


Grazy Nazario.


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